Coisas que não lhe contaram sobre fazer o que você ama
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(Esse artigo foi escrito por mim em fevereiro de 2014, muita coisa mudou e ganhou novas formas, mas a mensagem é a mesma)

Estou passando por um momento de intensas mudanças. Uma delas é implementar de vez o meu trabalho em home office. Antes, boa parte dele já funcionava assim, quando eu escrevo e produzo conteúdos por exemplo, mas eu insistia em manter um consultório físico (que me acompanhava desde o início da minha carreira como psicóloga clínica e veio me acompanhando no trabalho como coach, até então). Um dia percebi que a maior parte dos meus clientes já eram atendidos on-line e eu estava mantendo meu consultório por puro apego. Tomada a decisão, estou num apartamento novo, com mais espaço e organizando a segunda mudança: agora, trazer as coisas do consultório para montar meu home office.

Tudo sonhado, planejado e começando a acontecer, qual foi a minha surpresa? Eu me peguei remexida justamente agora, quando as coisas começam a tomar corpo. O tal apego ao lugar em si e a história da sua construção (um dia posso contar pra vocês a história de como fui montando meu consultório), junto com um frio na barriga e medo da mudança. Sim, mesmo amando a praticidade de trabalhar em casa, de poder ter a companhia da minha gatinha ronronando por perto, ter todos os meus materiais sempre à mão, deixar de perder tempo com deslocamento e criar dentro do meu próprio espaço, ser cada vez mais dona do meu tempo e seguir vivendo da maneira como eu gosto… ainda assim existem conflitos.

Passando por essa experiência, comecei a me lembrar de uma série de conflitos e angústias, que já vivi ou que já ouvi de meus clientes, mas que ninguém costuma comentar abertamente. Parece sempre romanceada a ideia de viver fazendo o que ama. Muita gente que começa nesse caminho e se depara com os primeiros desafios, passa a suspeitar de que está no caminho errado – “ué, mas não era pra ser só alegria?”

Por isso, compartilho com você algumas coisinhas que ainda podem não ter lhe contado:

1) Sim, você pode ganhar mais liberdade e fazer o seu tempo. Porém, cuidar dele é um exercício que você talvez nunca tenha percebido o quanto é desafiante. E mais, provavelmente você vai ter que dedicar muito mais horas para fazer seu trabalho acontecer. Prepare-se para as dores e delícias da liberdade.

2) Mesmo os sonhos amados e os projetos mais deliciosos são capazes de fazer você tremer, suar, chorar, espernear, se cansar, questionar, se sentir meio louco e perdido.

3) Às vezes pode ser confuso colocar valor nos seus produtos e serviços, afinal você os faria de graça com todo prazer. Mas pode ter certeza, o valor em dinheiro não costuma alcançar nem uma pequena parte do valor que um trabalho bem feito e com amor pode causar de impacto na vida das pessoas. Sim, seu trabalho tem muito valor! Aprenda a lidar com dinheiro de maneira aberta.

4) Por vezes, o seu envolvimento com o trabalho vai fazer você sofrer ao ouvir um não ou escutar uma opinião contrária, afinal é como se seu projeto nascesse de você – em alguns momentos, acabamos levando demais para o lado pessoal.

5) Por incrível que pareça, vai ter hora em que você pode sentir falta de um chefe que simplesmente lhe diga o que fazer e de alguém que deposite seu dinheirinho na conta todo dia X do mês. Aí chega a hora de colocar na balança o que você valoriza, qual é o seu propósito e sua visão de futuro.

6) Quando o compromisso é só com você, o desafio de levar adiante pode ser maior. Afinal, não tem um prazo definido ou se você nem contar que teve uma ideia nova ninguém vai criar expectativas.

7) Trabalho e lazer acabam se misturando, por isso vai ter dia em que isso vai deixar sua cabeça cheia. O trabalho do dia já acabou, mas você está lendo um livro sobre o mesmo tema, pesquisando novidades na internet, e por aí vai… É gostoso se envolver, mas descanse também.

8) Em certas situações você vai precisar ser um faz-tudo e em outras vai ter que reconhecer que é hora de terceirizar, fazer parcerias, contratar alguém. Como vai descobrir? Com discernimento e dando algumas cabeçadas.

9) Você vai ter que aprender a dizer alguns nãos para dizer sim ao que realmente importa e agrega valor ao seu trabalho. O que não quer dizer que também vai ter que dizer alguns sins para coisas chatas e burocráticas que podem aparecer no meio do caminho de um trabalho sensacional.

10) Se seu trabalho é eminentemente criativo (se você cria), é preciso fazer pausas, se envolver com outros assuntos, outras turmas, levar a cabeça pra passear. Não dá para ficar só no seu mundinho.

11) Dá vontade de estudar um pouco mais, saber um pouco mais, pesquisar um pouco mais. Mas não deixe que isso lhe impeça de dar o primeiro passo a partir de onde você está.

12) Sempre parece que alguém já teve a melhor ideia ou aproveitou a melhor sacada. Não caia no engodo de que seu trabalho só pode ser valioso se for absolutamente original. Crie, invente, mesmo que alguém esteja no mesmo caminho, dê a sua cara, o seu jeito.

13) Tem momentos com tantas ideias, tantos caminhos, tantas possibilidades, que você pode empacar. Nessas horas, busque fazer algo diferente. Medite, fique em silêncio, escreva, procure o apoio de um profissional, converse. Enfim, saia do mesmo modo de pensar que criou o problema, para assim achar a solução. Outra: priorizar começar por uma ideia, não significa que você vai descartar as demais.

14) Falando em expectativas, a procrastinação pode fazer de você um alvo fácil. Isso se você render ao perfeccionismo e ao receio do que os outros vão pensar. E mais, o fato de amar tanto o que faz, pode fazer você ter muito medo de que as coisas não saiam exatamente como pensou. Nada pior do que esse medo para empacar qualquer projeto. (Olha, as coisas podem ser muito mais maravilhosas se você se abrir a ir além do que você imaginou!)

15) Algumas pessoas insistem em achar que você não trabalha e vão fazer de tudo para lhe convencer a seguir o mesmo caminho que elas ou, simplesmente, buscar o convencional. O não convencional incomoda.

16) Quem disse que você só pode amar uma coisa? Pode ser que você crie um mix único com tudo que você ama e seus talentos. Ou pelo contrário, muito do que você ama nem vai se tornar trabalho, mas pode ser elemento importante para lhe trazer energia e alimentar sua criatividade.

17) Você vai aprender milhões de coisas no caminho, algumas que você sequer imaginou que aprenderia um dia, inúmeras nenhum professor lhe ensinaria. Vai ser complicado algumas vezes e uma superação deliciosa na maioria delas.

E o mais importante:

Mesmo com tantos desafios, em meio a tantas dúvidas, questionamentos e coisas a aprender, acredite, isso tudo vai lhe
mostrar que você está vivo! Ao final do dia, vai ter cansaço? Sim, mas é um cansaço de quem produziu, sentiu que fez a diferença, que deu alguns passos para colocar algo com mais sentido e significado no mundo.

Alguém já lhe disse tudo isso? ; ) Eu gostaria muito que alguém tivesse me dito.

Que tal se agora você compartilhasse o link desse texto com alguns amigos que podem estar enfrentando esses desafios, sem nem desconfiar que não estão sozinhos nessa?

(Artigo também publicado no Nômades Digitais e Hypeness)

 (Imagem: Corbis)


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