Debaixo dessa poeira algo está esperando por você
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Poeira se acumula dentro da gente também. Em todos os cantos que a gente abandona, como quartos esquecidos de casas antigas que ficam com aqueles velhos lençóis cobrindo móveis que um dia foram usados e agora não mais. Cada sonho deixado de lado, cada olhar não oferecido, cada silêncio engolido, cada dom que a gente recusou, cada trecho de caminho que a gente deixou para depois, cada vontade que a gente queria ter desfrutado. Fica tudo ali de lado, pegando poeira.

Para retomar o curso é simples, basta retirar os velhos lençóis, limpar a grossa camada de poeira e descobrir o que estava guardado. Não entenda “simples” como uma ação sem nenhum esforço. É simples por ser natural que a gente queira descobrir. Porém, com certeza, ao levantar a poeira vai haver muitos espirros e tosses, aquela sensação de carne quebrada por ter que levantar coisas daqui e dali, jogar algumas coisas fora, selecionar, trocar de lugar. Remexer os baús vai exigir sua energia, mas deixar os baús guardados também exige. Uma usina de energia é desperdiçada para manter esses fragmentos escondidos dentro de nós. Movimentar nos faz ganhar mais vida, energia parada é que nos consome.

Estamos vivos, mas a dura camada de hábitos, costumes e máscaras para seguir se encaixando, toma parte da nossa energia humana e vai nos roubando a sensibilidade, e é isso que nos mantém seguindo o roteiro absurdo. Não encarar o outro como um ser humano, olhar somente para o próprio umbigo, se esquecer de como é bom brincar, fingir que só existe o seu lugar e que não há uma infinidade de mundos e possibilidades, viver uma rotina insana em troca de algumas mentiras que não representam nada para você. Basta um pouco de sensibilidade e um pouco de presença para notar o jogo louco em que nos metemos e querer sair desse emaranhado.

– Com que frequência você se sente vivo e inteiro?
– Com que frequência você se sente entusiasmado para encarar o dia que acabou de nascer?
– Com que frequência você poderia dizer ao longo do seu dia: é exatamente aqui que eu gostaria de estar, é isso que eu gostaria de fazer, é com essas pessoas que eu gostaria de estar?
– Com que frequência você se sente revigorado com as atividades que você realiza? E com que frequência você nem sente o tempo passar por estar realmente envolvido nelas?
– Com que frequência você olha para sua vida e diz: essas são as escolhas que eu fiz com consciência e presença?
– Com que frequência você alimenta suas relações? E escolhe o que realmente lhe nutre em todos os âmbitos da vida?

Existe um lindo texto da Marina Colasanti que se chama “Eu sei, mas não devia”, em que ela diz: “A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma”.

Aquele sistemão que cria a camada dura, criou também essa crença de que é preciso poupar, e por trás dessa crença há o medo de que vá faltar. Mas é tão maluco isso, porque ao poupar a vida você já entra na falta. A solução? Colocar mais vida na nossa vida, fortalecer tudo que nos faz sentir ainda mais vivos e inteiros, acalentar com amor tudo que nos devolve, tudo que nos traz de volta à condição humana em seu mais alto potencial de sentir, criar e reconhecer a beleza plena. A vida é pra ser vivida, com a mais alta frequência, é bom ressaltar. Quantas vezes ao dia você se sente vivo, inteiro, presente? Que seja sempre. Mesmo que haja momentos de dúvida, de dor, de não saber, que esses sejam momentos em que a gente esteja ali, sem fugir, sem se esconder, sem se acostumar com nenhum vício que nos entorpeça. Que a gente descortine tudo isso, remova a poeira e desfrute do caminho. Que a gente seja. Aqui vai um manifesto e um convite por uma vida realmente inteira.

 Também publicado no portal Nômades Digitais.

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